Ágio e Impairment – Amortizar ou testar por perda de recuperação? Qual o melhor modelo?

Autor: MSC José Luiz Ribeiro de Carvalho – Presidente do Glenif

Muitas discussões sobre o critério atual de amortização do ágio originado em uma combinação de negócios têm ocorrido desde a adoção do IFRS 3 – Combinação de Negócios em 2004. Estas discussões envolvem a área acadêmica, investidores, credores, reguladores e mesmo o próprio IASB. Este artigo tem por objetivo relatar de maneira resumida a situação da discussão atual do tema.

Mas o que é o ágio?

O ágio é um ativo intangível único, na medida em que seu custo não pode ser diretamente associado a nenhum item especificamente identificável e não é separável da empresa como um todo. (A. Seetharaman et all, 2006).

Para fins de contabilidade financeira, o ágio refere-se aos ativos da adquirida (ou ágio preexistente) mais qualquer prêmio de preço que seria pago pelos participantes do mercado pelos negócios da adquirida. (Reilly & Schweihs, 2016)

E finalmente a definição de ágio pelo IFRS 3. O ágio é um ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes dos ativos adquiridos em combinação de negócios, os quais não são individualmente identificados e separadamente reconhecidos.

Amortizar ou testar por perda de recuperação? Qual o melhor modelo?

Um ágio deve ser reconhecido em uma combinação de negócios, no intangível, sempre que a adquirente transferir uma contraprestação maior que o valor justo dos ativos líquidos da adquirida conforme requerido pelo IFRS 3. Nesta sistemática o ágio não é amortizado, mas sim testado por perdas de recuperação pelo menos anualmente.  Antes da publicação da IFRS 3 em 2004 o ágio era amortizado.

A adoção das International Financial Reporting Standards – IFRS “completas” transformou o tratamento contábil para o ágio em muitos países. Em vez de amortizar o ágio, as empresas agora testam sua recuperação e amortizam as perdas quando identificadas, contra os resultados.

Alguns estudos acadêmicos indicam que, como alegado, os encargos por perdas de recuperação refletem melhor os atributos econômicos subjacentes do ágio do que os encargos de amortização linear, como por exemplo, cita Chalmers et all, 2010. Todavia, muitos outros estudos indicam que o reconhecimento de deterioração do ágio com base na sistemática de teste de recuperação proporciona o reconhecimento da perda de maneira tardia e subavaliada, como cita Cappellesso e Nyiama (2022).

A IAS 22 Business Combinations em vigor até 2002, exigia que as empresas amortizassem o ágio ao longo da sua vida útil, presumindo-se que não excedesse 20 anos, embora as empresas pudessem refutar essa presunção. Além disso, foi exigido um teste de recuperação: (a) quando houvesse uma indicação de que o ágio poderia estar deteriorado, se a vida útil do ágio fosse de 20 anos ou menos; ou (b) anualmente, se a vida útil do ágio for superior a 20 anos, mesmo que não houvesse indicação de que o ágio pudesse estar com deterioração.

Todavia, com a adoção da IFRS 3 em 2004, o ágio passou a ser testado somente pelo seu valor recuperável no mínimo anualmente, atendendo os critérios estabelecidos pela IAS 36 – Impairment of Assets. Esta abordagem, conforme o entendimento no International Accounting Standards Board – IASB forneceria informações mais úteis aos investidores do que a sistemática de amortização. Todavia, muitos argumentam que esta sistemática do teste de redução ao valor recuperável para o ágio permite aos gestores um nível de discricionaridade, a qual pode resultar no retardamento do reconhecimento das perdas por recuperação.

Quais as providencias tomadas pelo IASB para avaliar esta preocupação?

Inicialmente o IASB, publicou um documento sobre a revisão pós implementação (PIR) da IFRS 3 em 2015, que identificou que a redução do valor do ágio nem sempre é reconhecida em tempo hábil e que o teste de recuperação para esse ativo pode ser caro e complexo. Posteriormente após avaliar os resultados do PIR, o órgão iniciou um projeto de pesquisa sobre ágio e deterioração que resultou na divulgação do Discussion Paper: Business Combinations—Disclosures, Goodwill and Impairment (2020). Quase todas (164) as cartas de comentários recebidas, e muitas das reuniões de divulgação realizadas, forneceram ao IASB feedback sobre sua visão preliminar de que não deveria reintroduzir a amortização do ágio.

A maioria dos respondentes concordaram com a visão de manter o modelo teste de recuperação apenas, mas muitos outros discordaram da opinião preliminar do IASB e, em vez disso, defenderam a reintrodução da amortização do ágio.

Os proponentes da reintrodução da amortização apresentaram principalmente os seguintes argumentos: (a) o PIR da IFRS 3 sugere que o teste de recuperação não está funcionando como o IASB pretendia; b) As quantias escrituradas de ágio estão superestimadas e, como resultado, a administração de uma empresa não é responsabilizada pelas suas decisões de aquisição; c) O ágio é um ativo perecível com uma vida útil finita e a amortização refletiria o seu consumo; e (d) a amortização reduziria o custo da contabilização do ágio.

Os proponentes da manutenção do modelo de teste de recuperação somente, apresentaram os seguintes argumentos principais: (a) o modelo de teste de recuperação somente fornece informações mais úteis do que a amortização; b) se bem aplicado, o teste de recuperação atinge o seu objetivo. O PIR da IFRS 3 e a pesquisa subsequente do IASB não encontraram novas evidências de que o teste não seja suficientemente robusto; (c) o ágio adquirido não é um ativo perecível com uma vida útil finita, nem é separável do ágio subsequentemente gerado internamente e (d) a reintrodução da amortização não pouparia custos significativos.

Houve um apoio notável para a reintrodução da amortização em diferentes grupos de partes interessadas em alguns países, como Brasil, Alemanha e Japão. Regionalmente, houve um forte apoio à reintrodução da amortização na Europa e na América Latina, enquanto na África houve mais apoio à manutenção do modelo atual. Os comentários da Ásia-Oceania e da América do Norte estavam mais divididos em suas opiniões. De maneira geral, nenhuma nova evidência ou argumento conceitual foi fornecido pelos comentários em ambos os grupos, dos que apoiam e aqueles que não apoiam a sistemática atual.

O que foi decidido?

Portanto, em novembro 2022, o IASB decidiu provisoriamente manter a sua visão preliminar de manter o modelo de deterioração apenas. Por uma pequena maioria (oito dos 14 membros do IASB), o IASB chegou a uma opinião preliminar de que deveria manter o modelo de teste de recuperação em vez de reintroduzir a amortização do ágio. Portanto, a sistemática de amortização do ágio não foi considerada. Esta é uma decisão preliminar e pode ser que em função de novas informações o IASB decida rediscutir a sistemática de amortização.

Como se observa, as discussões devem continuar uma vez que parte relevante dos agentes interessados que participaram do processo de comentários do PIR do IFRS 3 (2015) e do Discussion Paper: Business Combinations—Disclosures, Goodwill and Impairment (2020) são a favor da adoção da sistemática de amortização do ágio ao invés da sistemática de teste de recuperação somente. Fica muito claro nestas discussões que se houvesse clareza no estabelecimento da vida útil de um ágio, sem dúvida a sistemática de amortização já teria sido adotada. Uma vez que não houve fatos novos que pudessem trazer mais clareza nesta discussão levou o IASB em manter a sistemática atual.

Como esse debate permanece, convidamos o publico interessado em enviar seus comentários sobre esse artigo ao glenif@glenif.com.  Alguns artigos e publicações relacionados a seguir foram citados pontualmente para referência das discussões e não tem o objetivo de refletir todas as discussões.

O Glenif – Grupo Latino-Americano de Emissores de Normas de Informações Financeiras é formado por organismos profissionais apoiadores da América Latina e tem por um de seus objetivos divulgar as normas internacionais de relato financeiro na região assim como de comentar sobre os projetos do IASB colocados em audiência pública. Sobre o tema deste artigo o Glenif forneceu seus comentários em carta ao IASB e que podem ser obtidos em seu sítio eletrônico. Assim, lhes convidamos também a participar deste processo que é fundamental para a elaboração e aperfeiçoamento destes normativos contábeis. Apoiamos todo tipo de produção acadêmica e artigos técnicos de discussão na área de normas de informação financeira para publicação em nossos meios de comunicação após nossa revisão técnica. Participem!

Referências:

Cappellesso G. and Niyama, J.K., (2022), Timeliness of goodwill impairment in Brazilian Companies, Revista de Contabilidade e Finanças – USP, São Paulo, v. 33, n. 90, e1579, 2022.

Glenif – Grupo Latino-Americano dos Emissores de Normas de Informação Financeira – Carta Comentário sobre Discussion Paper, Business Combinations – Disclosures, Goodwill and Impairment (Dezembro, 2020). https://glenif.org/wp-content/uploads/2021/06/GLASS_Comment-letter_DP_Business-Combinations.pdf

IFRS – International Financial Reporting Standards – Staff Paper, May 2021 – https://www.ifrs.org/content/dam/ifrs/meetings/2021/may/iasb/ap18c-subsequent-accounting-for-ágio.pdf

IFRS – International Financial Reporting Standards – Staff Paper, December 2022

https://www.ifrs.org/content/dam/ifrs/meetings/2022/december/iasb/ap18-ágio-and-deterioração-cover-paper.pdf

IFRS – International Financial Reporting Standards – IFRS 3 Business Combinations. https://www.ifrs.org/issued-standards/list-of-standards/ifrs-3-business-combinations/#standard

Chalmers, K. G., Godfrey, J. M. and Webster, J. C., (2010). Does a goodwill impairment regime better reflect the underlying economic attributes of goodwill? Accounting and Finance.

Reilly R. F. CPA, Schweihs R.P. ASA, (2016). Guide to Intangible Asset Valuation. American Institute of Certified Public Accountants, Inc., Wiley.